Espiritismo: precursor dos ideais feministas

Espiritismo: precursor dos ideais feministas

                                                       Viviane Pádua

 

“Não existe, pois, diferença entre o homem e a mulher, senão no organismo material, que se aniquila com a morte do corpo; mas quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas.”

Kardec, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – 1866

 

O termo feminismo é originário do latim “femina” e significa “mulher”. Por sua vez, o empoderamento feminino é o ato de conceder às mulheres o poder de participação social, garantindo a elas o direito de lutar por seus direitos. Atualmente, a palavra tem sido deturpada no seu sentido, sendo utilizada de maneira negativa para atingir as mulheres que defendem o seu direito de expressão e igualdade dentro da sociedade. Percebe-se, inclusive, o emprego do termo de maneira pejorativa com o intuito de diminuir o propósito, sendo empregado como sinônimo de mulheres raivosas e desequilibradas.

É notório que somos frutos da nossa época e toda conduta é socialmente construída, por isso é fundamental compreender de que forma certas posturas e concepções foram construídas ao longo da história da Humanidade.

Na Idade Média, questionava-se se a mulher tinha ou não um Espírito a animar-lhe o corpo. Por diversas passagens bíblicas, é possível identificar o quanto o peso do machismo revela-se nos escritos: “(…) a mulher era obrigada a chamar o marido de patrão e senhor. Em muitas de suas passagens, a mulher é o próprio mal e por isso foi expulsa do paraíso com o companheiro, depois de perverter Adão, que lá desfrutava de completa felicidade; ou enfraquecendo o homem que a amava e o entregando à sanha dos inimigos, como Dalila cortando o cabelo de Sansão e o submetendo à humilhação e à morte nas mãos dos filisteus.” (Borges, João Paulo. A mulher tem alma? –  2003)

Grandes filósofos, responsáveis pela construção do ideal imaginário coletivo ocidental, replicavam concepções que atribuíam à mulher um lugar de inferioridade intelectual e moral em contraposição ao homem. Pitágoras, autor do ‘Versos de Ouro’, escreveu: “Existe o princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher”. Eurípedes considerava a mulher “o mais temível dos males”. Aristóteles afirmou que “a natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem inferior.” Confúcio disse: “ A mulher é o que há de mais corrupto e corruptível no mundo. ”

Em 1857, temos a primeira edição do Livro dos Espíritos, codificado por Allan Kardec, na França; e a versão que utilizamos até hoje datada de 1860. O professor Rivail, nas questões 817 a 822, tratou com os Espíritos Superiores sobre a Igualdade de direitos do homem e da mulher. Nestas seis questões, fica bastante clara a compreensão que não existe superioridade de um ou de outro, mas um propósito dentro do projeto reencarnatório de cada Espírito. Quem está como homem na vida atual poderá vir como mulher na próxima vida.

Coadunando com todas as respostas apresentadas pelos Espíritos, Kardec escreve um artigo para Revista Espírita, em 1866, com o título “As Mulheres têm Alma?”, considerando os princípios religiosos de outras crenças, assim como a construção social da época. Tal escrita é fruto da inquietação do autor frente ao caso de uma jovem que teve seu diploma embargado pelo fato de ser mulher.

Kardec afirma que é ridículo duvidar que a mulher possua uma alma, compreendendo que Deus não criou “almas masculinas e almas femininas” dotadas de diferenças intelectuais e morais. As Leis Naturais aplicam-se de maneira igualitária e justa ao Espírito, criado simples e ignorante com a infinita possibilidade de evolução e melhoramento ao longo das suas experiências reencarnatórias.

Ciente de que o homem é fruto dessa sociedade, o codificador afirma que “Entregue a si mesmo, o homem não podia estabelecer a respeito senão hipóteses mais ou menos racionais, mas sempre questionáveis. Nada no mundo poderia dar-lhe a prova material do erro ou da verdade de suas opiniões. Para se esclarecer, seria preciso remontar à fonte, pesquisar nos arcanos do mundo extracorpóreo, que não conhece. Estava reservado ao Espiritismo resolver a questão, não mais pelos raciocínios, mas pelos fatos, quer pelas revelações de além-túmulo, quer pelo estudo que diariamente pode fazer sobre o estado das almas depois da morte. E, coisa capital, esses estudos não são o fato nem de um só homem, nem das revelações de um só Espírito, mas o produto de inúmeras observações idênticas, feitas todos os dias por milhares de indivíduos, em todos os países, e que assim receberam a sanção poderosa do controle universal, sobre o qual se apoiam todas as doutrinas da ciência espírita.”

É salutar reconhecer o pioneirismo de Allan Kardec nas discussões acerca do feminismo, salientando a importância da discussão e o alargamento das percepções sociais no tocante ao lugar ocupado pela mulher. Conhecedor das atitudes do Cristo, o codificador ilumina essa discussão com argumentos científicos pautados no método investigativo que baliza toda a Doutrina Espírita.


“Com a Doutrina Espírita, a igualdade da mulher não é mais uma simples teoria especulativa; não é mais uma concessão da força à fraqueza, mas é um direito alicerçado nas próprias leis da Natureza. Dando a conhecer estas leis, o Espiritismo abre a era da emancipação legal da mulher, assim como abre a da igualdade e da fraternidade.”

Kardec, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos – 1866

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