Escândalo, limitação humana ou possibilidade de progresso?

Escândalo, limitação humana ou possibilidade de progresso?

(Por Roberto Sabbadini e Viviane Pádua)

Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!”

Mateus 18,7

Ao nos depararmos com essa afirmação de Jesus aos seus discípulos no tocante a questão do poder e do prestígio no plano terrestre, somos convidados a refletir sobre a palavra escândalo e os seus impactos nas nossas posturas morais. Quando Jesus levantou essa afirmativa, a respeito do escândalo, lamentando aquele que seria o seu instrumento, estaria o Mestre consolidando o determinismo divino? E onde ficaria expressa a lei do livre-arbítrio? Todos estaríamos sujeitos a essa questão? Quais impulsos nos constrangeriam? Existirá escândalo para o bem? Deus permite?

A palavra em análise aparece vinte e nove vezes no Novo Testamento na sua forma substantiva (escândalo) e na forma verbal (escandalizar). Ela vem do Latim scandalus, “motivo de ofensa, pedra de tropeço, tentação”; do Grego skandalon, “pedra de tropeço”, originalmente “armadilha elástica”; do Indo-Europeu skand–, “pular”, assim sendo é fundamental que tenhamos clareza do contexto em que o termo está sendo empregado.

Segundo a citação de Mateus, Jesus faz referência a escândalo como mal, conforme encontramos em ‘O Livro dos Espíritos’ comentado pelo Espírito Miramez: “O que chamamos de mal, por vezes é necessário, conforme a evolução da alma. Isso constitui processo de despertamento do Espírito. Somente depois que o Espírito atinge determinado grau de evolução espiritual não é mais necessário o escândalo.”

Com a interjeição “ai” Jesus deixa uma possibilidade em aberto, o poder que temos de realizar ou não o ato escandalizador. Isso denota uma reflexão importante que deveríamos fazer antes de tomarmos qualquer atitude. A interjeição é quase um lamento, mas é, antes de tudo, um respiro profundo que é oferecido à alma que tem em suas mãos a decisão de concretizar o escândalo ou abster-se dele em prol de si mesmo e dos envolvidos que encontrarão outros caminhos para a reeducação de suas almas.

Ai do mundo”, Jesus se referia a que mundo? O exterior ou o interior? Estabelecida dentro de nós mesmos a realidade que enxergamos do lado de fora, define apenas aquela que está sedimentada no íntimo. Desse modo, uma vez equilibrado interiormente os padrões aparentemente desconexos que levam impreterivelmente ao aparecimento dos escândalos, eles cederão à harmonia que se imporá automaticamente. Isso significa que o escândalo exerce a função de reequilíbrio das forças em desarmonia, fruto do mau uso do livre-arbítrio. O ajustamento individual é um canal dos mais justos para alcançar a paz possível aqui na Terra.

Por outro lado, vale ressaltar que é possível analisar os escândalos no mundo por um outro prisma. Aqui entre nós, vez que outra, reencarnam Espíritos mais evoluídos, com missões grandiosas no seio da sociedade e, não raro, são motivo de escândalo para muitos, sendo levados a finais trágicos diante da incompreensão e ignorância dos seus contemporâneos.

Aconteceu, por exemplo, com Maria de Magdala, malquista na sociedade judaico-machista, incompreendida e julgada por muitos, foi escolhida como anunciadora da ressurreição e hoje, percebemos o grande valor desse Espírito como financiadora da evangelização do Cristo, mulher letrada e de alto conhecimento das Escrituras Sagradas, trabalhadora incansável no plano espiritual no acolhimento a Espíritos sofredores.

Outro ícone foi Joana d’Arc, jovem de dezenove anos, médium, queimada viva na fogueira acusada de crimes graves como “mentirosa, perniciosa, enganadora do povo, adivinha, blasfemadora de Deus, descrente na fé de Jesus Cristo, gabola, idólatra, cruel, dissoluta, invocadora dos diabos, sistemática e herética”. Tempos depois, essa mesma mulher foi consagrada como santa da Igreja Católica. Ou seja, a mesma igreja que a condenou, arrepende-se e reformula a sua ação pretérita.

Vejamos Teresa de Ávila, século XVI, rompeu com a estrutura da Igreja Católica, fundou uma nova ordem religiosa porque discordava dos princípios impostos à época, perseguida pela Inquisição; e séculos depois, foi declarada a primeira Doutora da Igreja.

Jesus, quando imerso no ambiente terreno e suportando, por amor e humildade, as nossas fraquezas e mesquinhezes, foi um polo irradiador do bem e da certeza que o futuro pertence àqueles de nós que nos identificamos como seus condiscípulos, guardando nossas restrições, entretanto, imbuídos do amparo e incentivo dos espíritos benevolentes que nos cercam. Por representar o ponto culminante de nossa evolução aqui na Terra, foi um revolucionário e um ponto de escândalo para os judeus que dele aguardavam a conquista do mundo material enquanto ele afirmara que o seu reino “não era deste mundo”.

Incontidas vezes fora defrontado em situações corriqueiras, mas profundamente desafiadoras à alma que ansiava novos rumos, com perspectivas de mudança, respeitando, acima de tudo, as leis promulgadas por Moisés. Sem compromissos políticos em relação aos poderosos de sua época, ‘escandalizou’ diversas vezes os judeus que hoje em dia representam todos aqueles que não identificam nas práticas religiosas senão um meio de conquistar bens e serviços para satisfação de si mesmos.

Olhando brevemente a ação desses Espíritos, eles foram motivo de escândalo, escandalizaram uma sociedade e sofreram severas consequências por tais afrontas. Mas, eles eram maus? O que eles propunham era contrário as leis divinas ou eles eram agentes de Deus? Hoje, como nós lidamos com ideias contrárias as nossas?

Ao olharmos para nós, pensemos sobre aquilo que nos escandaliza no atual momento reencarnatório, detenhamos o olhar para dentro, local onde estão as bases de nossas ações exteriores. Como os exemplos acima, percebamos que muitas vezes aquilo que é diferente, que foge as regras, que revoluciona, que questiona tende a ser classificado como um escândalo, pois gera um incômodo ou aciona uma incompreensão. O orgulho, a vaidade e a prepotência levam-nos aos caminhos da intolerância, do julgamento e do desejo de extinguir aquilo que se nos opõem.

No Evangelho segundo o Espiritismo (capítulo VIII), vamos encontrar a seguinte afirmação: “Muitas pessoas se contentam em evitar o escândalo, porque com isso sofreria seu orgulho, e sua consideração diminuiria entre os homens; contanto que suas torpezas sejam ignoradas, isto lhes basta, e sua consciência está tranquila.”

Entender e viver intensamente a vida com padrões do Espírito imortal, é unir-se a Jesus e aos inúmeros representantes de sua seara sendo cognominados preconceituosamente de escandalosos. Com vistas à eternidade e convictos da realidade universal possamos romper as marcas dos hábitos automáticos que nos prendem à animalidade, tanto carnal como intelectual, e soltarmos as amarras do pensamento criador rumo aos padrões elevados de vida imperecível.

“A criatura bem-intencionada, sob a perseguição do ridículo, não tem outro recurso senão recordar o Cristo, incompreendido pelas autoridades de seu tempo, ironizado pelos ignorantes e injuriados pela multidão, compreendendo que todo homem responderá pelos seus atos a Deus, no tribunal do foro íntimo, e que a mais alta defesa contra o sarcasmo do mundo é o silêncio da perfeita confiança no Divino Poder.”

(Emmanuel, do livro Coletânea do Além, psicografia Francisco Cândido Xavier.)

Fontes:

1. Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro da 3. ed. francesa rev., corrig. e modif. pelo autor em 1866. 124. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004.

2. ______. O Livro dos Espíritos: princípios da Doutrina Espírita. Trad. de Guillon Ribeiro. 86. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005.

3. Maia, João Nunes. O Livro dos Espíritos comentado pelo Espírito Miramez. Filosofia Espírita, volume XIII, capítulo 26, editora Espírita Fonte Viva.

4. O Consolador – Revista Semanal de Divulgação Espírita. http://www.oconsolador.com.br/ano5/212/emmanuel.html. Acesso em 20. jun.21

 

Compartilhe…

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn