Kardec, professor assim como Antonieta de Barros.

Kardec, professor assim como Antonieta de Barros.

 Viviane Pádua

“A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral.” Allan Kardec, O Livro dos Espíritos.

 

O ato de educar é uma ação primária, elementar e essencial a ação humana. Num dado momento da história, o homem percebeu que poderia transmitir os conhecimentos adquiridos aos seus pares. Nos estudos acerca da História da Educação, não existe uma precisão de data, mas lá nos primórdios da pré-história, as crianças começaram a aprender com os mais velhos sobre questões relacionadas a cultura, conduta moral e direcionamento da comunidade.

A palavra educar tem origem no latim “educareeducere, que significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. O significado do termo (direcionar para fora) era empregado no sentido de preparar as pessoas para o mundo e viver em sociedade, ou seja, conduzi-las para fora” de si mesmas, mostrando as diferenças que existem no mundo. ” (Dicionário Etimológico)

O mês de outubro é bastante rico para a doutrina espírita, pois celebramos o nascimento de Hippolyte Léon Denizard Rivail, discípulo de Johann Heinrich Pestalozzi, criador da pedagogia moderna. O jovem Rivail foi preparado pelo seu mestre para uma educação humanista e libertária, compreendendo que todos deveriam ter igualdade de direitos, pois os princípios colocados pela Revolução Francesa ecoavam pela sociedade francesa.

É salutar pensar sobre as razões pelas quais o codificador da mensagem de Jesus era um professor ao invés de um cientista, partindo do pressuposto que a doutrina tem como pilar fundante a ciência.  A doutrina espírita foi decodificada pelas mãos de um professor que acreditava plenamente nas múltiplas possibilidades da humanidade, uma mente e um coração abertos para aprender novas coisas constantemente, totalmente despido de toda e qualquer vaidade se colocou à disposição da ação dos bons Espíritos sem perder de vista os princípios éticos e científicos que sempre nortearam sua experiência educacional.

Kardec iniciou os primeiros contatos com os Espíritos a partir de seus 50 anos de idade, demonstrando que, independente das vidas pretéritas, é essencial ao Espírito um tempo de aprendizado e maturação dos seus princípios que somente serão adquiridos através da leitura, da experiência encarnatória e da convivência com outros.

Em 1828, o Professor Hippolyte declara: “Todo mundo fala da importância da educação; mas, para a maioria, esta palavra tem um significado extremamente vago, porque poucas pessoas chegaram a fazer uma ideia precisa de tudo o que ela abarca (…). A educação é a arte de formar homens, isto é, a arte de fazer eclodir neles os germes da virtude e abafar os do vício (…). Numa palavra, a meta da educação consiste no desenvolvimento simultâneo das faculdades morais, físicas e intelectuais”. (Incontri, Dora. Textos Pedagógicos)

A doutrina espírita é uma doutrina de reeducação das almas, teve Kardec como professor, Pestallozi como mestre de Kardec e Jesus como referência maior nessa área, como afirma no evangelho João (13:13) “Vós me chamais mestre e senhor e dizeis bem, porque eu o sou”. Único título que Jesus aceitou. É essencial compreender que as nossas almas necessitam e anseiam por conhecimento. O espiritismo revela-se como uma oportunidade de educação eterna de nossos espíritos, compreendendo que as dores e angústias físicas, além dos desgastes familiares, amigos que nos traem, corrupção política, desigualdades sociais, dentre tantos outros desafios, se tornam recursos pedagógicos a nos impulsionar para a evolução e aprimoramento moral interior.

Diante dos múltiplos aprendizados deixados por Kardec, através da sua vivência, percebemos que o compilador da doutrina optou por fundar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em detrimento de uma escola espírita, pois o contexto de uma sociedade educacional coloca a todos no mesmo lugar de aprendiz e de mestre.  Dessa forma, não existe ninguém que não tenha algo a ensinar, assim como não existe ninguém que não tenha algo a aprender. Estamos na Terra para evoluirmos e o processo educacional é uma proposta libertadora a partir do momento que compreendemos que não somos folhas em branco, trazemos nossas experiências acumuladas de vivências pregressas. Dentro da Sociedade de Estudos Espíritas, todos os participantes eram responsáveis por construírem coletivamente o conhecimento, por promoverem discussões que favorecessem ao grupo e a sociedade, estabelecendo assim o que afirmou o educador brasileiro Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. ”

O sr. Rivail, antes de se imortalizar com o nome de Allan Kardec, já houvera publicado diversos livros didáticos como contribuição ao processo educacional francês, Curso Completo Teórico e Prático de Aritmética (1845); Plano Proposto para a Melhoria da Educação Pública (1828); Gramática Francesa Clássica (1831); Ditados da Primeira e da Segunda Idade (1850); e a Gramática Normal dos Exames (com Lévi-Alvarès –1849). Isso para citar apenas alguns exemplos de sua competência e labuta ativa na educação social dos povos. 

Ao analisar a história da Humanidade, é cada vez mais evidente a importância da educação como pilar fundamental no desenvolvimento humano. As grandes sociedades foram construídas a partir do questionamento, do desenvolvimento do senso crítico dos seus membros e consequentemente, do avanço científico.

No Brasil, vamos encontrar uma mulher que é autora de uma das primeiras leis que instituem o dia 15 de outubro como Dia do Professor, demonstrando que a tarefa educacional ultrapassa as fronteiras espíritas e se confunde com o progresso da humanidade. A lei, homologada pelo governador José Boabaid, foi publicada em 1948, 15 anos antes de a data ser reconhecida nacionalmente. O decreto federal, assinado pelo então presidente da República João Goulart, é de 1963.

Antonieta de Barros, nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, em 11 de junho de 1901, órfã de pai, criada pela mãe, escrava liberta que se tornou lavadeira para sustentar os filhos. A infância foi marcada pela pobreza, enfrentou dificuldades por conta da sua origem humilde e todo preconceito por conta da cor. Sua vida constitui, por si mesma, uma aula de coragem e determinação.

Alfabetizada aos cinco anos, fez o curso de magistério, além de tornar-se oradora, jornalista, escritora e militante. Fundou seu próprio curso primário de alfabetização: “Curso Particular Antonieta de Barros”, oficializado em 1922.

Ingressou na política, em 1934, sendo a primeira mulher negra a ser eleita deputada estadual no Brasil, estabelecia como pontos importantes da sua atuação: os trabalhos filantrópicos, a defesa das mulheres, se aproximando das questões relacionadas ao feminismo daquele período. Defendia a importância do voto feminino e da participação das mulheres na política, além da necessidade de concurso público para magistério; eleições para o cargo de direção de escolas; igualdade de salário entre professores e professoras; relevância da educação de adultos; a importância da aproximação entre crianças pobres e livros, temas extremamente atuais na sociedade brasileira.

“Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços; é transportar às almas que o Senhor nos confiar à força insuperável da Fé”, afirmou Antonieta em um dos discursos feitos no Congresso.

Antonieta, católica, assim como Kardec, espírita, acreditava que o conhecimento intelectual isolado não seria capaz de proporcionar a revolução interna necessária. Mesmo com todo aparato tecnológico dedicado às escolas hoje, é nítido o quanto as crianças e adolescentes gritam por afeto e atenção. A cultura da paz e a pedagogia do amor são fundamentos importantes na construção integral desse homem de bem já anunciado por Jesus. O amor pela educação transcende as fronteiras de qualquer religião constituída, é um farol a iluminar consciências dessedentando pelo sentimento a sede de conhecimento.

O papel dos centros espíritas, através das suas atividades de evangelização das crianças e da juventude, tem função imperiosa nesse processo educativo de todos os envolvidos no ato de ensinar e de aprender.

Feliz é o atual momento de homenagear dois Espíritos que assumiram a missão de modificar a sua existência e a de tantos outros que passaram por suas salas de aulas. O ato de ensinar e de aprender conecta o homem com a Espiritualidade de maneira profunda e especial, pois Deus é o grande mestre e Ele nos ensina, através da sua criação, que o amor é a melhor ferramenta de transformação, talvez a única.

Referências

1.COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante. Enciclopédia da Literatura Brasileira. São Paulo: Global Editora; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/DNL: Academia /Brasileira de Letras, Vol I. p. 335.
2.BITTENCOURT, Adalzira. Dicionário bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil. Rio de Janeiro: Pongetti,1969-72, vol. I, II e III.
3.MOTT, Maria Lúcia de Barros. Escritoras Negras resgatando a nossa história. In: Papéis Avulsos 13. Rio de Janeiro, 1989: CIEC – Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos/UFRJ.
4.FONTÃO, Luciene. Nos passos de Antonieta: escrever uma vida. Tese (Doutorado em Literatura) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.
5.MOTT, Maria Lúcia de Barros. Escritoras negras resgatando a nossa história. In: Papéis Avulsos 13.  Rio de Janeiro, 1999, CIEC – Centro Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos / UFRJ.
6.PISANI, Josefina da Silva. Antonieta de Barros. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 1, Precursores.
7.RIVAIL, Hippolyte Léon Denizard. Textos Pedagógicos. São Paulo: Comenius, 1998.
8.ROMÃO, Jeruse. Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil. Florianópolis: Ed. Cais, 2021.  
9.Kardec, Allan. O que é o Espiritismo, – especialmente: “Biografia de Allan Kardec, por Henri Sausse” – Ebook.
10. Kardec, Allan. Obras Póstumas, – especialmente: “Biografia de Allan Kardec”; “Discurso pronunciado junto ao túmulo de Allan Kardec, por Camille Flammarion”; 2ª Parte: “Extratos, in extenso, do livro das previsões concernentes ao Espiritismo” – Ebook.
11.Kardec, Allan. Revista Espírita, – coleção de 1857 a 1869.
12.O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, Canuto Abreu – Ebook.

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