A Fome e Espiritismo

Refletir sobre a questão da fome na história da Humanidade não pode ser vista como um fato isolado, pois a fome é consequência das desigualdades, do egoísmo e da falta de amor nas estruturas sociais e econômicas.

Em maio de 1868, na Revista Espírita, encontra-se um artigo com o título: A fome na Argélia, trazendo questionamentos e reflexões acerca do tema- “Deve-se acusar a Providência por todas essas misérias? Não, mas a incúria, consequência da ignorância, o egoísmo, o orgulho e as paixões dos homens. Deus não quer senão o bem; ele tudo fez para o bem; ele deu aos homens os meios para serem felizes; a eles cabe aplicá-los, senão quiserem adquirir experiência às próprias custas. Seria fácil demonstrar que todos os flagelos poderiam ser conjurados, ou pelo menos atenuados, de maneira a paralisar os seus efeitos. É o que faremos posteriormente, numa obra especial. Os homens não devem queixar-se senão de si mesmos pelos males que suportam.”

Segundo dados recentes, o número de famintos, no mundo, aumentou de 811 milhões para 828 milhões entre 2021 e 2022. No Brasil, temos entre 15 a 33 milhões de pessoas que sofrem com a privação provocada pela falta de dinheiro para compra de comida.

Atualmente, o termo insegurança alimentar vem sendo utilizado por estudiosos do tema para ampliar a discussão e promover políticas públicas que garantam o direito a uma alimentação equilibrada e saudável.

A insegurança alimentar, trata-se de uma situação crítica que compromete a saúde individual, coletiva e até o desenvolvimento do país. É um termo utilizado quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para sua sobrevivência. Quem está em insegurança alimentar não tem quantidade e qualidade suficiente de alimentos para sua vida, dessa forma estamos diante de uma violação de direito.

No item 930, de ‘O Livro dos Espíritos’, somos advertidos de que “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome.” Diante de tal afirmação, como podemos nos definir como “Pátria do Evangelho”, analisando os altos índices de brasileiros que estão abaixo da linha da pobreza?

O nosso país é um dos maiores produtores de itens alimentícios, mas isso não garante que brasileiros tenham acesso a três refeições diárias, número mínimo definido pelas organizações mundiais.

É salutar pensarmos sobre os valores que regem os mercados de exportação e os modelos econômicos que não priorizam a equidade como princípio de igualdade e fraternidade.

No Antigo Testamento, vamos encontrar Deus criando todas as coisas: “(…) No terceiro dia, Deus disse “ajuntem-se as águas em um só lugar e apareça uma porção seca”. E chamou de terra. E neste dia também, Deus fez os gramados e as árvores frutíferas. (…) No quinto dia, Deus criou todos os animais e peixes que vivem nas águas, e todas as aves. (…) Deus viu tudo que havia feito: era muito bom.” (Gênesis 1: 1-31)

Com o avanço das pesquisas científicas e observando as informações trazidas pelos Espíritos, encontra-se na obra “A Gênese”, edição original, as explicações de Allan Kardec nos mostrando a analogia entre o Planeta Terra ter sido criado ‘em seis dias’, e a descrição na Bíblia que, na verdade, se referia aos períodos geológicos.

O importante ao analisarmos o trecho bíblico, sem perder de foco os esclarecimentos trazidos pela codificação espírita, é pensar sobre a perfeição da obra divina. Ao olharmos a natureza, perceberemos que existe um equilíbrio em todas as relações que permeiam o ecossistema.

Acreditamos que Deus é a inteligência suprema do Universo, a causa primária de todas as coisas; é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, conforme a questão primeira de ‘O Livro dos Espíritos’ nos revela.

Uma reflexão incontrolável é a seguinte; como um ser que é a perfeição, Deus, concebe e permite a existência da fome numa sociedade, a ponto de levar à morte por falta de alimento mínimo que garanta a vida. Esse é o bem mais precioso que nós temos enquanto espíritos eternos.

Mais ainda, é também inevitável o questionamento sobre de onde surgiu a forme e quem criou tal flagelo que segundo a Oxfam, no boletim “O Vírus da Fome”, em julho de 2020, “antes do final do ano, 12 mil pessoas podem morrer diariamente de fome em consequência dos impactos sociais e econômicos da pandemia, talvez mais mortes do que os óbitos pelo novo coronavírus no mesmo período”.

De que maneira Jesus, o mestre incomparável, modelo e guia da Humanidade, confirma uma bem-aventurança a quem tem fome e sede de justiça em vez de indicar os caminhos para a total extinção deste flagelo devastador?

Somente a compreensão da reencarnação aliada ao conceito de evolução e livre-arbítrio são capazes de explicar o encadeamento de atitudes que nos entristecem o coração, tal seja a convivência com a fome num planeta que produz mais alimento do que temos a capacidade de ingerir, onde a obesidade é uma doença que avassala muitas nações, e onde o desprezo pelo semelhante faz-nos indiferentes, muitas vezes, diante da realidade nua e crua.

O egoísmo humano ainda é um outro flagelo interno que impede a empatia diante dos sofrimentos alheios, que instala a frieza de considerar um dever do estado, ou mesmo dos mais aquinhoados financeiramente, o equacionamento da fome no Brasil e no mundo.

Inúmeros exemplos encontramos de almas sensíveis que investiram, irmã Dulce, e ainda investem, Padre Júlio Lancellotti, tempo e dedicação ao combate à fome. E cada um de nós também tem a capacidade de fazer um pouco mais na suavização de sentir fraqueza física por escassez de alimento e no alívio de um estômago que aguarda ansiosamente por digerir uma côdea de pão.

O Cristo foi explícito sobre a postura que devemos ter diante da necessidade do próximo:  ” (…) tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber (…)”. Não podemos ser omissos diante de tal flagelo que assola a humanidade por séculos. É preciso compreender as razões que levam o homem a trilhar tal caminho, promovendo mudanças concretas nas estruturas sociais e econômicas que regem o nosso planeta.

Acreditamos que a Terra está caminhando para torna-se um planeta de regeneração, onde tenhamos relações mais fraternas e amorosas como pregou o Mestre.

“Não vim trazer paz, mas espada”, disse Jesus. Utilizemos essa figura de linguagem para nos armarmos enfaticamente dos instrumentos capazes de erradicar a fome, lutando com toda energia na morte definitiva da miséria social que leva tantos irmãos a soçobrar na vida por causa da fome. Que a paz que normatiza a tranquilidade consciencial de que se eu estou bem, todos estão, não faça abrigo dentro de nós. Assumamos nosso papel enquanto cidadãos e cristãos e façamos um pouco mais pelos que estão nesse estágio constrangedor de não se alimentar pelo menos três vezes ao dia, de não poder receber uma cesta de alimentos quando não possuem fogão ou gás para cozê-los.

Deus auxilia o homem através do próprio homem, arregacemos as mangas e não questionemos o que a vida pode nos dar, pelo contrário, quanto podemos oferecer em gratidão pela oportunidade de compartilhar o pouco que usufruímos com os que têm ainda menos do que nós.

Façamos a nossa parte e a vida complementará o restante. Aproveite a chance de ser caridoso, de sentir empatia e compaixão e sinta-se preenchido com uma alegria verdadeira, que nenhum ladrão é capaz de roubar.

“Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário.”

(O Livro dos Espíritos)

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